O paradoxo do mentiroso e o sistema de saúde pública no Brasil e em Portugal

Título estranho, eu sei! Pensei nele após uma consulta que fiz em um hospital privado em Lisboa por um médico brasileiro.

O paradoxo do mentiroso, que não sei explicar as questões filosóficas e lógicas (para isto deixo para o meu primo doutor em Filosofia, Guilherme A. Cardoso), mas que de forma sintética sobre o paradoxo da frase “Todos os cretenses são mentirosos”, profanada por Epimênides, que é da Creta, em 600 a.C. Em uma das explicações poderia se entender que Epimênides também era mentiroso, uma vez que, também era cretense.

Em outro contexto, ouvi a seguinte frase do tal médico: “Sabe, os brasileiros são complicados. A classe média com um poder aquisitivo maior, não frequenta o sistema público porque vê como algo mau. E ainda não querem se aproximar dos mais pobres”.

Vamos analisar esta situação vivida no hospital e explicar algumas questões.

O encontro com o médico e as dúvidas sobre o acompanhamento da gravidez em Portugal

A primeira vez que estive com este médico foi em meados de março deste ano, logo depois de descobrir que estava grávida e dias antes de embarcar para o Brasil. Não tinha referência, apenas liguei para o hospital e pedi o médico que havia consulta naquela semana. Já tinha ido ao centro de saúde próxima a minha casa. Entretanto, a enfermeira fez um terrorismo tão grande dizendo dos perigos da viagem nas primeiras semanas de gestação, que queria ouvir outra opinião. Tínhamos acabado de fazer o meu seguro de saúde e pensamos que ser atendido no hospital privado seria uma opção (isto são cenas para outro post, mas logo vemos!)

Neste primeiro encontro fomos bem atendidos. Mas com 5 semanas de gravidez a pergunta que ele me fez foi: onde vai querer seu parto, no hospital público ou privado?

Até então não sabia que podia ser acompanhada por um médico privado e ser encaminhada para um hospital público. Aliás, quando as coisas se complicam os médicos encaminham as mulheres ao público.

Tinha 5 semanas com um monte de dúvidas, emoções e ele me diz isto. Fiz um monte de pesquisa e não cheguei a lugar nenhum. Aliás, já tinha resolvido que o parto seria no hospital público. Sobretudo, porque a carência do seguro não cobrirá o parto e não estamos dispostos a arcar com cerca de 6.000 euros para fazer o parto.

Bem, fui para o Brasil passei a ser acompanhada pelo SUS e logo que voltei a Lisboa recorri novamente ao centro de saúde.

Porém, isto não pareceu suficiente para minha mãe e minha sogra, que insistiam que eu precisava de um obstetra.

Fiz várias pesquisas sobre médicos particulares que também estão no público e também não cheguei a lugar nenhum.  Foi aí que, resolvi voltar no médico brasileiro que me atendeu lá no início.

Neste segundo encontro ele voltou a me questionar onde queria o parto: público ou privado?

Já tinha decidido que seria no público. Mas considerava a hipótese de ter um médico que me acompanhasse durante todo o processo. Ou seja, era preciso ter consultas por meio do seguro e na hora de parir ir para algum hospital público.

Foi aí que ouvi a fatídica frase sobre os brasileiros.

Primeiro, respirei fundo e também pensei: “sério que este senhor está me dizendo isto?” Vamos lá ver: ele é médico, branco, está em Lisboa trabalhando num hospital privado de alta referência (também está num hospital público) e me diz isto. Será que quando estava no Brasil ele frequentava hospitais públicos? Será que ele mesmo confiava nesse sistema de saúde que ele dizia ser discriminado por esta classe média? Afinal, me parece que ele também pertence a esta classe média que ele criticava pela postura.

O que ele queria dizer era que em Portugal não havia discriminação no atendimento. E que o público é para todos.

Não tenho dúvidas e queria relatar o princípio da minha experiência.

O sistema de saúde para grávidas em Portugal

Logo após passar pela primeira sessão de terrorismo no centro de saúde, com a enfermeira apontando o dedo na minha cara por minha irresponsabilidade de fazer uma viagem tão longa com poucas semanas. Era uma viagem necessária, já tinha adiado e não para adiar mais. Tinha tudo marcado com a Universidade, com os professores… estava com a corda no pescoço. Era agora ou nunca. Tese pronta. Era só defender.

Quando voltei ao centro e foi diferente: fizeram exames na hora, marcaram consultas com o médico para o outro dia, recomendaram ecografias, tudo o que era esperado. Acompanhamento acertado. Fiquei sabendo que somente na 32ª semana vou ser encaminhada para um obstetra no hospital público a minha escolha. (foi aí que o terror das avós começou. Pois, segundo elas era preciso de um obstetra acompanhando o processo todo). Aliás, se tivesse algum problema ou se minha gravidez fosse considerada de risco seria encaminhada antes.

Uma questão que tenho feito é? Para que é preciso de um obstetra na 18ª semana de gestação? Tenho o acompanhamento do médico de família que me faz exames, receita medicamentos e faz recomendações, etc… etc… etc. E mais, nas minhas pesquisas e conversas com barrigudas que vejo por aí, percebo que muitas mães são somente acompanhadas pelo sistema público e corre tudo bem.

Além disso, pelo sistema público tenho isenção de tarifas dentárias (já fiz uma obturação e uma restauração, e, ainda posso fazer outros tratamentos), as tarifas dos exames…

A minha próxima consulta é na semana que vem e logo vemos como corre. Sei que a minha experiência é inicial e claro que vou dar update do processo. De qualquer maneira queria expor aqui essas dúvidas e escolhas. Sem esquecer de contar como foi a minha experiência no Brasil.

Atendimento no posto de saúde no Brasil

O que o médico me disse não é de todo mentira. Sei que isto acontece.

Muitas pessoas criticam o sistema público sem ao menos conhecer ou frequentar. As notícias relatam a pior face e a opinião fica nesta dimensão.

E mais, existe sim, por parte de uma parcela da população uma distinção da classe privilegiada da dos menos favorecidos. Não é a atoa a nítida divisão entre “coxinhas” e a classe trabalhadora evidenciada nos últimos anos. Não posso perder a oportunidade para expor o meu protesto #foratemer.

Continuando… é preciso dizer que tive a oportunidade durante muitos anos de ser atendida pelo sistema privado, pois, as empresas que meu trabalhou sempre oportunizou aos seus funcionários e familiares este privilégio. Fiz também algumas consultas em que desbanquei 200 ou 300 reais, por já não ter o serviço, e sempre foi uma decepção. Consultas rápidas. Afinal, tempo é dinheiro. E a hora de “doutor” é cara.

Tive este privilégio. Mas isto não me fez indiferente ou asquerosa ao sistema público. Não sei se sabem, mas sou formada em História e isto me fez ver o mundo de forma diferente, aceitar as diferentes e querer ver um mundo melhor.

Nesta ida ao Brasil tive a oportunidade de ser atendida no Posto de Saúde Dom Cabral, área de residência da minha família. Fiz a inscrição e logo tive consulta marcada com a enfermeira, pois, sendo gestante tinha prioridade.

Nesta consulta o tempo de atendimento foi de 2 horas. Sim! 2 horas. Não foram a espera, mas de perguntas, exames, orientações… Participei de grupo de gestantes sobre nutrição, outra consulta. Além disso, fui a uma maternidade pois havia uma suspeita de infecção urinária. Esperei sim, como esperaria em qualquer lugar. Não há serviço de “hotelaria” ou reformas anuais, de todo modo, os profissionais são super competentes e atendem com atenção e preocupação. Lembro-me de ter me sentido à vontade e me sentido bem por estar ali rodeada de pessoas com histórias de vida tão diversas e conhecer uma situação que ainda não tinha vivido.

No último dia do meu atendimento no centro deixei um elogio a todos que me atenderam na caixa de sugestões. Justamente porque sei das críticas, dos problemas e de tudo… mas sabe do que mais? Nunca fui tão bem atendida. Os profissionais foram sempre atenciosos, compromissados, impecáveis.

Em terras lusitanas está mais que decidido: o acompanhamento vai ser sempre no público. E só um lembrete não podemos generalizar com o risco de acabarmos nos incluindo neste paradoxo.

Um comentário em “O paradoxo do mentiroso e o sistema de saúde pública no Brasil e em Portugal

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  1. Adorei sua exposição dos fatos e dos sentimentos! Orgulhosa de ser mãe de uma pessoa tão “inteira”, tão linda!Te amo e desejo toda a sorte e felicidade neste momento tão especial que está vivendo.

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